sexta-feira, 1 de maio de 2015

REFLEXAO DO DIA


Por que Devemos ser Flexiveis?

Com certeza quem usa frequentemente estas duas palavras para se descrever a si e aos outros: flexível e inflexível. A primeira em tom elogioso, a segunda com ar de crítica. Mas o que é afinal a flexibilidade psicológica? E a capacidade de adaptação? E porque razão são tão importantes nas nossas vidas?
Imagine um contorcionista. Sabe aquelas pessoas que parecem feitas de borracha e que se dobram de tal forma que conseguem enfiar-se por inteiro numa pequena caixa? Como calcula, não é desse tipo de flexibilidade que aqui lhe vamos falar, mas antes da flexibilidade cognitiva, que se traduz na capacidade de se encaixar com mais facilidade, não numa caixa, mas em qualquer situação.

Todos nós temos ideias feitas sobre como reagir a determinadas situações. Vamo-las acumulando e guardando na memória através do processo de aprendizagem que nos proporciona a experiência. E cada vez que nos vemos perante uma situação que catalogamos como idêntica a uma que já conhecemos, vamos automaticamente à gaveta correspondente do cérebro buscar “a solução” para aplicar àquele contexto.

Aprendemos, por exemplo, a evitar certos riscos que se podem prever, como olhar para os dois lados da rua antes de atravessar ou a usar uma luva para tirar a comida do forno. Mas, claro, nem tudo na vida se enquadra nesta estrutura de repetição. Muitas das situações com as quais nos confrontamos são imprevisíveis e inimagináveis, além de complexas. Em situações como um divórcio, uma mudança profissional, o nascimento de um filho, a morte ou doença do próprio ou de um ente querido, só para citar alguns exemplos, é a flexibilidade que nos irá ajudar no processo de integração e adaptação a essa nova realidade.

Como nos explica a psicóloga Catarina Rivero, a flexibilidade psicológica relaciona-se a uma série de processos dinâmicos, nomeadamente a capacidade para mudar de perspetiva, para reenquadrar situações ou balancear domínios concorrentes como aspirações, desejos e  necessidades, face às exigências da vida e considerando o que mais se valoriza.

Já a adaptabilidade relaciona-se com a capacidade de ajustamento a uma situação desafiante, a uma dada forma de funcionar. De modo geral, ambas estão correlacionadas e influenciam-se positivamente. No entanto, a psicóloga explica que podemos ter situações negativas em que a pessoa se adapta pondo em causa os seus valores intrínsecos.

Decidir, optar, errar

Repare nestas duas decisões: “Arroz doce ou mousse de chocolate para a sobremesa?” e “Avança com o divórcio ou tenta a reconciliação?” São duas decisões, mas de carácter, nível de importância e graus de complexidade muitíssimo diferentes. Como tal, os processos mentais que usa para decidir num caso e noutro são também muito distintos. Uma delas é quase tomada em automático, talvez relembrando a sensação de prazer obtida da última vez que comeu uma sobremesa e outra, a outra é uma decisão complexa, sobre a qual é possível que não tenha ainda experiências pessoais que a ajudem a tomar uma decisão.
 
E é neste tipo de desafios - não necessariamente tão transformadores como o exemplo, mas complexos - que a flexibilidade cognitiva é imprescindível. Muitas vezes ser flexível passa pela capacidade de desconstruir as situações para voltar depois a reconstruí-las, reestruturando o conhecimento para encontrar uma solução. Aliás, a flexibilidade caracteriza-se pela capacidade de encontrar interpretações alternativas em vez de ficar preso ao primeiro pensamento, imediato e automático, que nos vem à cabeça…. Mas não nos ficarmos pelo primeiro pensamento que nos ocorre e pensar sobre o assunto, também não é garantia da tomada de decisão acertada.

A maioria dos autores identifica quatro razões pelas quais erramos, sobretudo em situações novas ou complexas. O erro resulta essencialmente do bloqueio cognitivo, ou seja, de optar por manter uma determinada ação que deixou de ser eficaz; da histerese cognitiva, que se traduz em manter uma decisão após perceber que é ineficaz; da fixação funcional, que consiste na incapacidade de alterar a perceção das coisas; e na redução funcional, traduzida, muitas vezes, na incapacidade de identificar as causas da situação problemática que está a viver por a confundir com problemas.

A flexibilidade nasce connosco ou aprende-se?

De acordo com Catarina Rivero, as pessoas variam em termos de flexibilidade psicológica, até porque este é um conceito que se relaciona com alguns traços de personalidade como a abertura à experiência ou o autocontrolo: “quer isto dizer que podemos ter tendência para ir à descoberta da novidade ou para um maior fechamento, pese embora tenhamos habilidade também para mudar”. Conforme nos explica a psicóloga, todos necessitamos simultaneamente de estrutura e de flexibilidade e essa necessidade varia ao longo da vida, conforme os desafios externos e internos.

Mas ser flexível também se aprende. E, ao contrário do que se possa pensar, conseguir ser flexível e adaptável não passa por questões meramente analíticas, lógicas e racionais. As emoções muitas vezes continuam a ser encaradas como sendo um estorvo e uma espécie de neblina que nos impede de ver as coisas com clareza. Mas não o são.

Há que ter presente que as emoções são o resultado de processos fisiológicos que ocorrem no organismo… e que ocorrem por alguma razão. Não só não as podemos eliminar (porque fazem parte da nossa biologia), como também porque nos ajudam a efetivamente a tomar decisões. E são especialmente importantes no que toca à tomada de decisão em situações que impliquem a resolução de problemas e o processamento de grandes quantidades de informação. Os sentimentos, por exemplo, são fruto de um estímulo exterior (que provoca a emoção) à qual juntamos posteriormente uma reflexão ou análise.

Assim, como nos explica Catarina Rivero, o treino da flexibilidade psicológica pode passar, entre outras, pela psicoterapia ou pelo treino de mindfullness“O trabalho passa por aceitar as suas emoções e pensamentos, reconhecer e identificar os seus valores essenciais e desenvolver motivação para agir de acordo com os mesmos”, esclarece a psicóloga.

E, no fundo, feitas as contas, para que nos serve afinal a flexibilidade e a capacidade de adaptação? Porque uma pessoa flexível é alguém que dispõe de uma ferramenta que a torna mais capaz no dia-a-dia e mesmo mais feliz. “A flexibilidade psicológica facilita e potencia o bem-estar individual e relacional: mais facilmente procuramos soluções para seguir com as nossas vidas de acordo com o que nos traz um maior propósito e também prazer, para além de termos mais facilidade de encontrar soluções e de mantermos relações gratificantes, sejam elas pessoais, sociais ou profissionais”, resume Catarina Rivero.

Fontes:
- Catarina Rivero, psicóloga e psicoterapeuta
- Flexibilidade cognitiva e inteligência emocional contributos para o estudo da sua interacção em profissionais de saúde, Cristina Gama Guerra e outros
- A Alma está no cérebro, Eduardo Punset, Dom Quixote


Nenhum comentário:

Postar um comentário